Mulheres e Acessibilidade foi tema de palestra no MPE
Uma conversa franca, informal e emocionante. Assim foi o evento Roda de Conversa: Elas por Elas, em Defesa da Mulher com Deficiência, ocorrido na manhã de sexta-feira (29), no auditório das Promotorias de Justiça da Infância e Juventude do Ministério Público do Pará (MPPA). O evento foi promovido pela 3° Promotoria de Justiça de Pessoas com Deficiência, Idosos e Acidentes de Trabalho do MPPA, por meio da promotora de Justiça Elaine Carvalho Castelo Branco, idealizadora da iniciativa e teve a participação da diretora do Núcleo de Acessibilidade e Inclusão (NAI) do Centro de Ciências Sociais e Educação (CCSE), Marli Melo e da egressa do Mestrado em Educação, Pamela Matos.
Segundo a promotora, o “Elas por Elas: em Defesa da Mulher com Deficiência” é decorrente de um projeto de valorização das mulheres com deficiência que será dividido em três fases, sendo a primeira delas a Roda de Conversa que aconteceu hoje de manhã, em alusão as comemorações do Dia Internacional da Mulher. A segunda fase será realizada no mês de maio e constará de um encontro de mães com filhos deficientes, para a troca de experiências. Já a terceira e última etapa do projeto será um encontro geral entre os participantes das duas primeiras fases, de onde serão coletadas ideias e sugestões de políticas e outras iniciativas que visem melhorar o atendimento e o bem-estar geral das pessoas com deficiência no estado do Pará.
A abertura do evento foi feita pela Procuradora Geral em exercício do MPPA, Rosa Maria Rodrigues Carvalho. “Estamos reunidos num momento muito especial para debater a inclusão da mulher com deficiência, nesse espaço de luta social que busca quebrar paradigmas contra o preconceito que atinge todas a mulheres, e a mulher deficiente com muito mais intensidade, por se tratar de um grupo social vulnerável, seja pelo gênero seja pela situação de deficiência. Temos que evitar o preconceito contra essas pessoas, pois eles não são apenas grosseiros e escancarados, mas se traduzem em atos nefastos que terminam por violar direitos”, ressaltou, em seu discurso.
Para essa primeira fase do evento, 10 mulheres com os mais variados tipos de deficiência foram convidadas pelo Ministério Público para falar sobre suas experiências de vida, de como enfrentam suas lutas e receios, mas, principalmente, de como alcançaram suas vitórias e conquistas.
Dentre elas estavam mulheres cegas, surdas, autistas, com deficiência total ou parcial dos membros; síndromes de Down, cadeirantes e também mulheres com paralisia cerebral. Todas tinham uma estória de superação das adversidades muito interessante a contar: São deficientes sim, porém, são mulheres e guerreiras. Algumas são mães.
De acordo com os relatos, algumas deficiências foram adquiridas ao longo da vida, ou ainda na infância, outras são congênitas, como é o caso de Luiza, primeira estagiária cega do Ministério Público do Pará (MPPA).
Além da garra, Luiza mostrou uma verdadeira simpatia ao contar sua experiência aos participantes do evento. “Sou cega desde a infância e nasci com incríveis 26 semanas de vida. Nem eu mesma sei como estou aqui”, disse.
Luiza é estudante do nono período do curso de Direito do Centro Universitário do Pará (Cesupa) e está lotada como estagiária no gabinete do Procurador de Justiça Civil, Manoel Santino Junior, que um dia, quando chegava ao trabalho, deparou-se com a menina cega sendo guiada por uma amiga nos corredores da instituição, lamentando-se por não ter conseguido o tão almejado estágio no Ministério Público. Santino decidiu então abrir as portas para Luiza, que hoje é considerada como a melhor estagiária que já passou pelo gabinete.
Luiza conta que as dificuldades começaram bem cedo. “Nasci cega, no município de Bragança, e uma das primeiras dificuldades foi com a minha alfabetização. Lá não havia nenhum professor especializado em braille ou em educação especial. Eu precisei fazer acompanhamento aqui em Belém. Graças a Deus eu tive um apoio familiar enorme”, conta, ressaltando que a família inteira se mobilizou para que ela fosse alfabetizada e pudesse entrar no sistema regular de ensino. “A minha mãe foi uma guerreira, porque ela lutou, ela brigou por mim desde quando eu era criança, já que eu não podia fazer isso por mim mesma.”
Luiza conseguiu ser matriculada regularmente no ensino médio e hoje, com 21 anos, já pode falar por si mesma, como gosta de frisar. “Também tive muitas dificuldades na vida escolar. Sabemos que a nossa vivência (dos deficientes) na sociedade não é acessível. Eu, por exemplo, encontro dificuldade porque as coisas hoje em dia são quase todas por imagens. As redes sociais são imagens, os cartazes também. Nem sempre contamos com uma áudio descrição”, diz.
Outra experiência de vida compartilhada com os ouvintes do evento foi o da defensora pública, ex-vereadora, e ex- deputada estadual Regina Barata, que acumula 38 anos de luta em prol da luta em defesa das pessoas com deficiência. Regina contou aos participantes que tinha 22 anos quando tornou-se deficiente. Ela sobreviveu a um acidente de carro onde cinco pessoas morreram. Na época, Regina era uma esportista: fazia judô, jogava voleyball e cursava o último ano de Direito. “Tive que ficar 10 meses de cadeira de roda e tive o braço amputado. Deixei de ser a mulher atleta e esportista para ser uma pessoa com deficiência. As pessoas te invalidam, mas eu não aceitei essa situação. Não aceitei o lugar de coitadinha onde as pessoas queriam me colocar. Meu braço havia sido amputado, mas as minhas potencialidades continuavam as mesmas”, afirmou.
Regina exigiu respeito e luta até hoje pela causa dos deficientes. Fundou a Associação Paraense das Pessoas Portadoras de Deficiência (APPD), que hoje tem 40 núcleos em todo o Estado do Pará. “Eu me fiz respeitar por aquilo que eu acredito e defendo”, diz.
Por sua vez, a promotora de justiça Elaine Castelo Branco, também foi uma das palestrantes da roda de conversa. Elaine possui deficiência auditiva bilateral com grau severo e, como toda pessoa com esse tipo de deficiência, possui dificuldade de escutar, principalmente em locais onde há muito barulho. “Vocês que convivem com pessoas com deficiência auditiva, que tem filhos nessa situação, não falem gritando com eles, não precisa. Falem baixo, com carinho, que o deficiente fará a leitura labial e entenderá o que você quer dizer”, aconselha.
O evento também foi recheado de homenagens a mulheres que lutam em prol da causa dos deficientes e dos mais vulneráveis. A ex-Procuradora-Geral do Ministério Público do Pará, Marília Crespo, foi homenageada com um certificado de honra ao mérito em reconhecimento à luta em prol do crescimento e reconhecimento do Ministério Público do Pará. Crespo foi Procuradora-Geral do MPPA por três vezes, o mais alto cargo do Ministério Público do Estado.
As homenagens também alcançaram as atletas paraolímpicas paraenses Eliane Barreto Martins e Andressa Pinheiro, Pinheiro, esta última com 15 anos de idade, deficiente intelectual, foi ganhadora de seis medalhas e um troféu de melhor atleta feminina da competição Circuito Loterias Caixa- Fase Regional Norte/Nordeste, ocorrida em meados de março.
Já Eliane, outra atleta homenageada, é coordenadora pedagógica de uma escola em Barcarena. Ela tornou-se deficiente física aos dois anos de idade, numa explosão numa fábrica de tijolos, e teve os dois braços amputados. As duas atletas receberam certificados das mãos da promotora de Justiça de Abaetetuba, Regina Luiza Taveira.
“Achei esse momento muito relevante para a sociedade. Chamar a atenção das pessoas, alertar a sociedade para o momento em que vivemos, onde se valoriza a questão da diversidade. Ficamos muito felizes em receber o convite. Vir pro Ministério Público para esta troca de experiências foi muito importante pra nós”, diz Nathiele Macêdo, do Núcleo de Acessibilidade da Universidade do Estado do Pará (NAI/UEPA).
Os discursos e relatos também surpreenderam e encantaram o técnico operador de som, Manoel Messias, que trabalha na área de eventos do MPPA. “Fiquei muito surpreso. Tenho 38 anos de Ministério Público e nunca tinha visto esse tipo de evento aqui. Foi uma experiência muito boa e gratificante. Uma lição de vida”, resumiu.
Texto: Ellen Vaz
Fotos: Edyr Falcão e Kayke Brito